Além do Véu: Reflexões Antropológicas em uma Cerimônia de Casamento
No último final de semana, viajei para uma cidade vizinha para participar do casamento de um grande amigo. A festa foi incrível, realizada em uma casa linda, que unia uma bela decoração com uma natureza exuberante ao redor. Como antropólogo, não posso evitar olhar para esses momentos ritualísticos e observar a atitude das pessoas diante de algo tão importante.
O momento do casamento em si foi emocionante e bonito. A cerimônia de entrada da noiva, a emoção dos convidados, as declarações do casal e o clima de cumplicidade entre os presentes demonstraram uma intimidade e felicidade genuína pela união dos dois. Tudo foi absolutamente harmonioso, sincero e prazeroso para todos que estavam ali celebrando o momento.
Esse evento me fez lembrar dos rituais de passagem que estudamos na antropologia. Inclusive, em um momento, mencionei isso para meu amigo, e uma de suas amigas me perguntou por que um casamento seria um ritual de passagem.
Isso é perfeitamente compreensível, pois os processos culturais e ritualísticos em todas as culturas não seguem as categorias antropológicas; pelo contrário, somos nós, antropólogos, que seguimos os fenômenos socioculturais e constantemente testamos nossas categorias, criando outras, se necessário. O dinamismo da vida social e dos processos de reprodução e transformação dos diversos aspectos socioculturais é mais forte do que qualquer sistematização.
Na China, por exemplo, as tradições são constantemente acionadas em diversos setores da sociedade. Sobretudo, os jovens reconhecem elementos significativos de sua história (seja a história do país ou de seu grupo étnico, um dos 56 que compõem a China) e reproduzem esses elementos em suas vestimentas, principalmente em ambientes públicos como shoppings, praças e eventos; ou em fotos nas redes sociais. Isso também se reflete no cinema e nas novelas chinesas de época. Tudo isso mostra como elementos que remetem a uma origem são importantes para a manutenção da vida social atual.
Esse "tradicionalismo" também se reflete nas cerimônias de casamento. Mesmo havendo uma popularização do casamento "ocidentalizado", muitos casais escolhem fazer uma cerimônia tradicional, usando, sobretudo, o vermelho, que há muito tempo é uma cor significativa na China.
Claro que há um contraponto a essa "manutenção de tradições". No imaginário popular, o que é tradicional representa uma reprodução fiel de um passado cristalizado. No entanto, em termos de dinâmicas culturais, essa "reprodução" é sempre atual; ou seja, não há uma reprodução fiel do passado como se tivéssemos entrado em uma máquina do tempo, mas uma revisão desse passado e uma ressignificação desses elementos a partir de uma leitura do presente. Provavelmente é por isso que sempre olhamos esse "passado relembrado" como algo que faz sentido atualmente.
No entanto, alguns elementos são ressignificados hoje e acionados como "tradições", mas outros não são. Essa "seleção", muitas vezes imperceptível às pessoas que reproduzem esses elementos do passado, acontece principalmente porque somos seres deste tempo e não daquele. O saudosismo que fundamenta os elementos que trazemos do passado para o presente não fazia parte das pessoas daquela época; para elas, suas vestimentas, práticas e ritos representavam a normalidade de seu tempo. Certamente eram saudosistas com outras coisas.
Enfim, o final de semana foi excelente. Deu tudo certo, e minha intuição - ou percepção antropológica - sobre possíveis mudanças ocorridas nas tradições de casamento brasileiras, foram corretas. Eu havia passado toda semana anterior em dúvida sobre qual vestimenta usar.
No fim, aprendi que há momentos em que a observação participante não é tão eficiente, ou pelo menos não tão quanto simplesmente participar da festa e se permitir vivenciar o momento.
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