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Ritmo urbano e dinâmicas de trabalho em Shanghai: reflexões entre mercados e cultura

Shanghai, a maior cidade da China e um dos centros urbanos mais dinâmicos do mundo, é um lugar onde alguns contrastes convivem de forma diferenciada.


YuYuan Bazaar - China - Nino Rhamos

Durante minha estadia no bairro onde fiquei, longe do burburinho turístico, percebi algo que, para um antropólogo, se torna uma rica oportunidade de reflexão: a coexistência de diferentes formas de comércio – barracas de rua, pequenas lojas e grandes shoppings – no mesmo espaço.


A convivência dos contrastes nas relações de trabalho em Shanghai


O que mais me chamou atenção nos lugares que passei em Shanghai, para além dos arredores do bairro (principalmente o YuYuan Bazaar e o arredores do Jing'an Temple), foi como diferentes formas de comércio pareciam não competir de forma excludente, mas coexistir em uma espécie de equilíbrio.


No Brasil, é comum vermos shoppings como espaços separados, uma espécie de área privilegiada, quase isolados, do comércio de rua e, especialmente, dos ambulantes. São fronteiras que muitas vezes criam tensões e exclusões, revelando como organizamos nossas cidades e nossos espaços de consumo.


No entanto, quando se trata das relações de trabalho em Shanghai, essa separação parece menos evidente. Caminhando pelas ruas próximas ao YuYuan Bazaar ou ao Jing'an Temple, observei o comércio de rua prosperando ao lado de lojas luxuosas, e os ambulantes têm um espaço que, ao menos na aparência, parece integrado a essa dinâmica.


Uma observação curiosa que fiz no YuYuan Bazaar foi a ausência de ambulantes dentro do ambiente turístico, possivelmente para preservar o espaço como algo mais organizado, visto inclusive a quantidade de pessoas que transitam. No entanto, dentro de muitas lojas, encontrei uma solução que parece combinar eficiência e inclusão: ao entrar, o que à primeira vista parecia ser uma única loja era, na verdade, um espaço compartilhado por diversos pequenos comerciantes.


Cada “estande” tinha sua própria identidade e características, mas juntos, formavam uma unidade coesa, apresentando-se como uma única loja. Essa solução me chamou atenção pela maneira como preserva o caráter individual de cada negócio, ao mesmo tempo, em que cria um ambiente convidativo para os consumidores.


Esse modelo é um exemplo prático de como diferentes formas de trabalho podem coexistir e se complementar em um mesmo espaço, algo que reflete a flexibilidade e a valorização do trabalho na totalidade.


Claro, é preciso evitar generalizações. Shanghai é apenas uma cidade e o que vi pode não de forma alguma representar toda a China. Mas o padrão que observei se repetiu em outras cidades, como Suzhou e Changzhou, o que aponta para uma predisposição cultural e, possivelmente, estatal, no sentido de criar oportunidades para diferentes formas de trabalho coexistirem.


Estado, sociedade e a valorização do trabalho


Esse equilíbrio, penso eu, não ocorre por acaso. Como mencionei, há um papel significativo do estado, que parece buscar soluções para que diversas formas de mercado convivam, ao invés de reforçar hierarquias entre elas. No entanto, isso reflete algo maior: a valorização do trabalho na totalidade na sociedade chinesa.


Mais do que uma questão econômica, há uma noção cultural de que o trabalho – em suas múltiplas formas – é digno e essencial para a harmonia social. Dado que também posso constatar com anos de convivência com chineses.


Essa perspectiva contrasta com o que vejo no Brasil. Em muitas cidades brasileiras, a relação entre diferentes tipos de comércio é marcada por tensões, que são, em última análise, reflexo de uma segmentação marcada em diferentes classes sociais, de forma que a intersecção entre elas causa conflito de interesses divergentes.


Assim, ambulantes e comerciantes de rua frequentemente enfrentam resistência, especialmente em áreas de shoppings, que são símbolos de status e consumo mais elitizado. A convivência, aqui, muitas vezes ocorre sob conflito, e não em harmonia. E quando pensamos no papel do Estado, não é incomum vermos notícias onde ambulantes são agredidos, tendo suas mercadorias espalhadas pelo chão em meio a brigas e prisões.


É claro que a China também enfrenta conflitos entre diferentes interesses. A diferença, no entanto, parece estar na forma como esses conflitos são resolvidos. O Estado chinês demonstra uma abordagem única para mediar essas tensões, o que reflete uma compreensão diferenciada das dinâmicas de classe e trabalho. Culturalmente, também percebi que as pessoas tendem a valorizar diferentes modelos de negócios, com o trabalho ocupando um papel central nas relações sociais.


Assim como as pessoas em geral, em termos culturais, enxergar o valor dos diferentes modelos de negócios e têm no trabalho, algo que dá um sentido às relações sociais diferentemente do que ocorre no Brasil.


O Desafio das Generalizações


É importante ressaltar que essas reflexões não têm a intenção de generalizar. Em ambos os países, podem haver, em certa medida, modelos que contradizem o que estou dizendo. Como pesquisador, aprendi que quanto mais nos aprofundamos em um tema, mais percebemos as nuances que contradizem leituras homogêneas.


Nino Rhamos antropólogo pesquisador da China. YuYuan Bazaar

Porém, o desafio é entender o que emerge como uma tendência mais ampla sem ignorar as particularidades de cada contexto. Esse é o diferencial do olhar do cientista social. Não tomar a parte pelo todo, e vice-versa.



Oportunidades Interculturais


Observar essas dinâmicas em Shanghai me fez refletir sobre o quanto essas diferenças de organização cultural impactam negociações e parcerias internacionais. Entender como os chineses lidam com trabalho, espaço e convivência é essencial para empresas e profissionais que desejam atuar no país. Não se trata apenas de conhecer as leis ou as práticas de mercado, mas de compreender as lógicas culturais que sustentam essas dinâmicas.


Seja você um empreendedor, um profissional em busca de novas oportunidades ou alguém curioso sobre o universo intercultural, refletir sobre essas diferenças pode ser o primeiro passo para construir relações mais harmônicas e eficazes.


 

Essa foi apenas uma das muitas reflexões que tive durante o período que estive na China, passando por diversas cidades. As diferenças culturais entre Brasil e China são muitas, desafiadoras e cheias de oportunidades. Para quem deseja construir relações saudáveis e produtivas nesse contexto, compreender essas nuances culturais, não é apenas desejável – é indispensável.


Se quiser conversar mais sobre isso, estou sempre aberto a trocar ideias e experiências.

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