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Entrevista de Zelensky com Luciano Huck: Dinâmicas de Branquitude e Poder Geopolítico em Debate

A entrevista recente entre Volodymyr Zelensky e Luciano Huck oferece uma oportunidade interessante para explorar as dinâmicas de identidade racial e poder geopolítico no mundo contemporâneo. Embora a conversa não tenha abordado diretamente a China, os temas discutidos, bem como a identificação do apresentador com o líder ucraniano, refletem questões mais amplas sobre quem é considerado parte do "ocidente" e como essas definições afetam as relações internacionais, além da construção de identidades nacionais e étnico-raciais.



Branquitude: Muito Além da Cor da Pele


Antes de mais nada, é fundamental lembrar que a branquitude não se relaciona apenas a uma questão de pigmentação, como poderia pensar alguém menos familiarizado com o termo. Trata-se de uma construção social que envolve poder e privilégios, fundamentada na forma como os "brancos" definem quem é ou não "branco", com base na manutenção de posições de subalternidade e na reprodução da cosmovisão branco-ocidental.


Dessa forma, em diversos contextos sociais, seja em um país colonizado pelo ocidente, que possui descendentes desses colonizadores (como o próprio Luciano Huck, um homem considerado branco, pertencente à classe dominante e alinhado explicitamente com a cosmovisão ocidental), ou em uma dinâmica geopolítica, o "ser branco" emerge como um meio de controle, determinando quem é incluído ou excluído dos benefícios associados a esse status. Contudo, a branquitude reproduzida internamente nos países que foram colônias não pode ser comparada à dos países de origem; trata-se muito mais de um resquício das relações de opressão impostas pelos colonizadores do que de uma reprodução exata da relação de poder geopolítica.


Países e indivíduos fora do "Norte Global", como o Brasil e outros da América Latina, ou mesmo da Ásia, apesar da pele clara de alguns, não necessariamente compartilham desses privilégios. A mudança de status dos brasileiros brancos no exterior, por exemplo, demonstra como a branquitude é uma construção social e geopolítica flexível, dependendo do contexto. No entanto, essa flexibilidade tem limites: há um "dono" que define quem, de fato, pode pertencer ao seu grupo ou ser aceito como "um simpatizante" às suas ideias, e esse "dono" são os países ocidentais.



A China e a Questão da Branquitude Ocidental


A posição da China neste debate sobre branquitude e modernidade pode parecer distante, mas é importante pelo seu caráter singular. Diferente de países como Japão e Coreia do Sul, que adotaram filosofias ocidentais em certo grau devido a processos históricos específicos a cada um deles, a China, também influenciada por circunstâncias históricas, segue seu próprio caminho para a modernidade, diferindo do modelo ocidental. Nesse sentido, a China emerge como uma potência que desafia essas normas e propõe um novo modelo de desenvolvimento para os países do Sul Global. Trata-se de uma dinâmica vista por muitos como apenas econômica, mas que também reflete a capacidade de povos "não brancos" de exercerem um poder contra-hegemônico, sem reivindicarem a aceitação pela branquitude.


Este posicionamento desafia a narrativa dominante e questiona os critérios ocidentais de quem é considerado "civilizado" e "moderno" ou "em fase de evolução". Um movimento contrário ao da Ucrânia, que claramente busca ser reconhecida como parte do Ocidente e obter o "selo de autenticidade da civilização", conferido por aqueles que sempre tiveram o poder de definir o que deveria ser considerado "civilizado".


Por esse motivo, a entrevista entre Zelensky e Luciano Huck é tão sintomática. Ela evidencia um movimento simbólico em que a Ucrânia, ao se distanciar da Rússia, busca se reclassificar como um país ocidental. Esse fenômeno pode ser descrito como uma espécie de branqueamento simbólico, um esforço para se alinhar mais com os valores e ideologias do ocidente, num contexto em que ser visto como "branco" não se limita à aparência, mas se estende a uma reconfiguração de poder e prestígio global. Ao mesmo tempo, essa entrevista alinha-se a um discurso interno no Brasil, onde as classes consideradas brancas (sobretudo por elas mesmas), historicamente privilegiadas e em busca de uma aceitação identitária pelo ocidente, são representadas pelo próprio Luciano Huck.


Tanto na entrevista quanto em seus históricos de atuação pública, ambos os personagens articulam uma aversão à China e reivindicam uma ideia liberal de liberdade, vista como um "avanço civilizacional". Em outras palavras, buscam ser aceitos pelo ocidente. Ainda que reconheçam, de certa forma, que talvez nunca façam parte dele, reforçar esse alinhamento implica o desejo de serem aceitos no clube dos "evoluídos", privilegiados, detentores do poder de subjugar aqueles que não fazem parte, seja por condição econômica, nacionalidade, tom de pele ou qualquer outro traço fenotípico.


Reflexões Finais: Complexidade e Limites da Análise


Este texto oferece uma breve reflexão sobre as dinâmicas observadas na entrevista entre Zelensky e Huck, destacando como a branquitude é uma construção social dinâmica que reflete as relações de poder globais. No entanto, é importante reconhecer que esta análise é apenas um ponto de partida para um tema vasto e complexo. As questões de identidade, poder e exclusão racial são profundas e multifacetadas, e não podem ser plenamente exploradas em um único texto. A intenção aqui é abrir espaço para um debate contínuo sobre como essas dinâmicas moldam nosso mundo atual.




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